Juiz não pode conceder tutela antecipada de ofício em ação civil pública

Na ação civil pública, não é possível a concessão, de ofício, da antecipação dos efeitos da tutela. O entendimento é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao analisar recurso do Banco BMG em processo no qual é contestada a cobrança de taxa na quitação antecipada de empréstimos pessoais. A relatora é a ministra Nancy Andrighi. 

O Ministério Público de São Paulo (MPSP) ajuizou ação civil pública, alegando a ilegalidade da cobrança de 5% sobre o valor do débito, “quando da quitação antecipada dos empréstimos pessoais contraídos pelos consumidores junto ao banco”. O órgão obteve liminar, determinando ao banco abster-se de cobrar qualquer valor nas quitações antecipadas de empréstimos pessoais, sob pena de multa diária de R$ 10 mil para cada violação. 

Decisões 

 

Na análise do mérito, o pedido foi julgado procedente. A sentença confirmou a liminar concedida e majorou a multa para R$ 50 mil. O juiz também antecipou a tutela quanto ao pedido de obrigação de fazer, para que constasse nos contratos cláusula expressa, com redação compreensível, sobre o direito à quitação antes do prazo, com redução proporcional dos juros, sob pena de multa diária de R$ 50 mil.

A sentença ainda condenou o banco ao pagamento de restituição do que foi pago indevidamente e indenização, a ser liquidada por arbitramento, além de tornar definitiva a liminar anteriormente concedida.

O recurso de apelação do banco foi recebido apenas em seu efeito devolutivo (não suspensivo) no que se refere à antecipação dos efeitos da tutela e quanto ao mais, também no efeito suspensivo.

O banco recorreu desta decisão. Protestou contra o recebimento da apelação somente no efeito devolutivo, sob o fundamento de que a tutela antecipada não poderia ser concedida de ofício pelo juiz, sem requerimento da parte, conforme estabelece o artigo 273 do Código de Processo Civil.

Ao examinar a questão, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que não era necessário o requerimento do MPSP para a concessão de antecipação de tutela. Para o TJSP, nem o artigo 84 do Código de Defesa do Consumidor (quanto às medidas cautelares) nem o artigo 12 da Lei da Ação Civil Pública (quanto às medidas liminares) trazem essa exigência. O banco recorreu ao STJ.

Recurso

 

Ao julgar a questão, a ministra Nancy Andrighi reconheceu que, de fato, as tutelas cautelar e antecipada estão inseridas no gênero das tutelas de urgência, ou seja, tratam de situação de perigo e visam a preservar o resultado final do processo. Segundo ela, a discussão teórica acerca da distinção entre as duas técnicas acabou por perder grande parte da sua importância prática, diante da alteração legislativa que reconheceu a fungibilidade entre elas, aproximando os dois institutos.

No entanto, a ministra destacou que, em certos casos, é útil a distinção entre a tutela cautelar e a antecipada, pois aí reside a possibilidade ou não de incidência de princípios inerentes à tutela cautelar toda vez que não houver regra específica regulamentando a situação sujeita à tutela antecipada.

“Essa observação ganha importância na hipótese analisada porque, dentre os requisitos exigidos para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do artigo 273 do CPC, está o requerimento da parte, enquanto que, relativamente às medidas essencialmente cautelares, o juiz está autorizado a agir independentemente do pedido da parte, em situações excepcionais, exercendo o seu poder geral de cautela”, disse a relatora.

Por tratar a ação civil pública em debate da tutela dos interesses dos consumidores, afirmou a ministra Andrighi, “além da disciplina geral acerca do tema, prevista no CPC, devem ser aplicados os regramentos específicos, quais sejam, o CDC e a Lei da Ação Civil Pública”.

E “tanto no microssistema do Código de Defesa do Consumidor, como no da Ação Civil Pública, aplicam-se, para a concessão da tutela antecipada, as disposições genéricas previstas no artigo 273 do CPC”, definiu a relatora.

Medida requerida

 

No caso, o MPSP, na petição inicial, limitou-se a requerer medida de urgência que, na hipótese, tem caráter antecipatório, relativamente à obrigação de não fazer (abstenção da cobrança da tarifa). Já quanto ao pedido de inserção nos contratos de cláusula que informasse sobre a possibilidade de liquidação antecipada com redução de juros, o MPSP requereu que a medida fosse tomada “em 60 dias contados da intimação do trânsito da sentença”.

A ministra observou que, além de não ter requerido liminar quanto a esse último ponto, o MPSP ainda fez constar que a obrigação de fazer somente fosse efetivada após o trânsito em julgado da sentença. Assim, o juiz de primeiro grau incorreu em duplo equívoco: não poderia ter concedido a antecipação de tutela sem o requerimento da parte e ignorou o pedido do MPSP para que se aguardasse o trânsito em julgado da sentença.

Com isso, a Terceira Turma determinou ao TJSP que garanta, reformando seu acórdão, o efeito suspensivo à parte da sentença que trata da obrigação de fazer constar nos contratos a nova cláusula informativa.

REsp 1178500

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