A alteração das regras de custódia proposta pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) deverá minimizar potenciais riscos sistêmicos na negociação de uma variedade maior de produtos financeiros no mercado brasileiro. Para ocorrer com segurança, a migração deverá ser gradual. O processo pode levar até dois anos segundo o regulador.
A reforma da Instrução 89 prevê que todos os ativos negociados no mercado brasileiro sejam transferidos a uma central depositária, capaz de garantir sua existência. “O que garante que o ativo existe é o fato de estar imobilizado debaixo da asa da central depositária. Ela responderá pela existência dele, para que não se movimente ou seja transferido para um terceiro irregularmente”, explica Otávio Yazbek, diretor da CVM.
Yazbek lembra que as mudanças serão profundas e vão significar custos para o mercado e investimentos para as centrais depositárias, atualmente representadas pela CBLC, da BM&FBovespa, e a Cetip. O segredo para evitar que essas instituições esbarrem em uma demanda excessiva passa pelas regras de migração para o regime de depósito centralizado.
O executivo estima um prazo de seis meses entre a promulgação e o início da vigência das normas. A partir daí as depositárias terão, pelo menos, de um a dois anos para se adaptar às novas exigências. “Isso é essencial porque hoje há um estoque de ativos não registrados. As depositárias terão que apresentar um cronograma de migração com base no prazo dado pela CVM.”
Um dos pontos considerados inovadores pela CVM na reforma é o controle do lastro de ativos. Uma Cédula de Crédito Bancário (CCB), por exemplo, pode estar lastreada em crédito ou em outras cédulas. As depositárias terão que estabelecer regras e controles para garantir que também estão custodiados. A dupla securitização e o uso fraudulento de ativos (como lastro) foram um dos principais problemas enfrentados pelos EUA na crise de 2008.
A minuta da CVM resolve o problema de operações sem troca de garantias no mercado de balcão. Yazbek explica que a CVM vai regulamentar a lei que permite que essas garantias sejam depositadas diretamente nas centrais depositárias. A autorização reduzirá a burocracia do processo, que hoje exige o registro em cartório.
A CVM não fechou uma lista de valores mobiliários sujeitos a depósito para não engessar a norma. A regra valerá para qualquer distribuição pública – inclusive ofertas com esforços restritos, previstas na Instrução 476 – e negociação em mercado organizado de Bolsa ou balcão. Esse rol pode incluir desde debêntures até produtos mais complexos como cotas de fundos imobiliários, cotas de fundos de índice (ETFs) e Cédulas de Crédito Bancário (CCBs).
A proposta da CVM é fruto da Lei 12.810, de maio deste ano, que definiu a competência da autarquia e do Banco Central para autorizar e supervisionar as atividades de depósito centralizado. A perspectiva é que o BC faça o mesmo movimento para os ativos financeiros sob sua competência, caso dos CDBs e títulos públicos. No limite, a exigência de depósito pode evitar rombos no sistema bancário causados via negociação paralela de títulos pelos bancos, em especial nas instituições menores.