No último dia 25 foi publicada a Lei federal nº 14.230/2021, que promoveu profundas alterações na Lei 8.429/1992, tendo sido regrado de forma diversa a matéria da prescrição da pretensão sancionadora do Estado por atos de improbidade administrativa, além de instituir a hipótese da prescrição intercorrente, nos termos do artigo 23 da Lei Geral de Improbidade Administrativa.
Tratando-se a prescrição da pretensão sancionatória matéria de direito material e de ordem pública, como, aliás, a própria norma prevê ao dizer em seu §8º do artigo 23 que deve ser conhecida e decretada até mesmo de ofício, impõe-se reconhecer tratar-se de norma posterior mais benigna, que deve retroagir. Isso porque, nos termos do artigo 5º, inciso XL [1], da Constituição Federal, as garantias penais, por simetria, se aplicam ao Direito Administrativo Sancionador, conforme nossa doutrina preconiza desde longa data quanto às ações de improbidade [2] e consoante jurisprudência remansosa dos tribunais superiores pátrios [3].
Assim como no âmbito penal, a prescrição da pretensão sancionatória no Direito Administrativo Sancionador atinge o direito de punir do Estado, sendo, por isso, causa de extinção da punibilidade, daí porque lei que regule os prazos prescricionais deve retroagir quando mais benigna, nos termos do comando constitucional.
Damásio Evangelista de Jesus é expresso para o caso aqui tratado ao trazer como exemplo de lei posterior mais benéfica que deve retroagir aquela que diminuir prazos de prescrição [4].
A adoção dos princípios constitucionais do Direito Administrativo Sancionador no âmbito da improbidade, além de se encontrar sedimentada na jurisprudência do STJ e do STF, foi expressamente incorporada ao sistema jurídico brasileiro com o §4º do artigo 1º da nova redação da Lei de Improbidade, que nesse ponto acolheu nossa doutrina.
No Direito disciplinar, por seu turno, subsistema do Direito Administrativo Sancionador, em matéria de prescrição e de leis mais favoráveis, o STJ já reconheceu retroatividade da norma mais benéfica em sua jurisprudência [5]. Não há dúvidas, portanto, de que a norma que instituiu prescrição mais benigna, em matéria de improbidade, deverá retroagir.
[1] “Artigo 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”.
[2] Sustentamos, desde longa data, que o Direito Administrativo Sancionador rege as ações de improbidade. Veja-se artigo publicado na Revista de Administración Pública (RAP) da Espanha 149, em 1999, nosso trabalho pioneiro nesta matéria, quando introduzimos no Brasil um novo conceito de sanção administrativa, que permitiu o alargamento do regime do direito administrativo sancionador para o campo das ações de improbidade administrativa. Na primeira edição de nossa obra Direito Administrativo Sancionador, ed. RT, SP, em 2000, reafirmamos o conceito de sanção administrativa que permitiu sua aplicação pelo Poder Judiciário, alcançando as ações de improbidade administrativa, conceito este que teve repercussão na formação do convencimento dos Tribunais Superiores sobre essa matéria. Com efeito, concepção alcançou o entendimento dos Tribunais Superiores. A jurisprudência do STJ, em matéria de improbidade administrativa, tem sido sensível aos princípios do Direito Administrativo Sancionador, como se vê inúmeros julgados do STJ, destacando-se este julgamento paradigmático: “O direito administrativo sancionador está adstrito aos princípios da legalidade e da tipicidade, como consectários das garantias constitucionais”, no qual cita nossa doutrina: Osório, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa: má gestão pública: corrupção: ineficiência (p. 300). (RESP 87.360-SP, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 17 de junho de 2008.
[3] O ministro Alexandre de Morais expressamente admitiu a aplicação do direito administrativo sancionador nas ações de improbidade no julgamento de admissão de repercussão geral no recurso extraordinário com agravo 1.175.650- Paraná́.
[4] Estefam, André; Jesus, Damásio De. Direito Penal 1 – Parte Geral – atualizado de acordo com as Leis n.13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridade) e n.13.964/2019 (Lei Anticrime) (pp. 148-149). Editora Saraiva. Edição do Kindle.
[5] Confiram-se os seguintes julgados: STJ – AgInt no RMS: 65486 RO 2021/0012771-8, Relator: Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, Data de Julgamento: 17/08/2021, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 26/08/2021; RMS 37.031/SP, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/02/2018, DJe 20/02/2018.
Artigo retirado do site Conjur.com.br