A aposentadoria dos magistrados brasileiros, tanto antes quanto depois da Reforma da Previdência (Emenda Constitucional nº 103/2019), insere-se no âmbito do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), previsto no art. 40 da Constituição Federal. Trata-se de um direito de natureza previdenciária, que decorre de um vínculo jurídico distinto daquele que liga o servidor — no caso, o magistrado — ao cargo público. Esse direito previdenciário nasce de uma relação jurídica estabelecida entre o Estado e o servidor enquanto segurado obrigatório, sendo financiado por meio de contribuições compulsórias com natureza jurídica tributária.
A contribuição previdenciária, conforme reconhecido pela jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal, é espécie do gênero tributo, mais precisamente uma contribuição social destinada ao custeio da seguridade social (CF, art. 149 e art. 195). Ainda que a destinação de tais valores seja vinculada à manutenção dos regimes previdenciários, sua natureza jurídica não deixa dúvidas: trata-se de tributo com finalidade específica. Essa contribuição independe da conduta funcional do servidor e é obrigatória, incidindo sobre a remuneração durante o período em que o servidor se encontra em atividade.
Cumpridos os requisitos constitucionais e legais — idade mínima, tempo de contribuição, tempo de serviço público, dentre outros — o servidor público adquire o direito subjetivo à aposentadoria, direito esse que não se apresenta como um favor estatal, mas como uma prestação previdenciária decorrente da relação jurídico-tributária mantida ao longo da vida funcional.
É essencial destacar que o direito à aposentadoria não deriva da permanência no cargo nem de uma avaliação ética ou disciplinar da conduta do servidor, mas da consolidação de uma relação previdenciária autônoma, distinta da relação estatutária funcional. Enquanto o vínculo ao cargo tem natureza jurídico-administrativa, baseado em deveres funcionais e hierárquicos, o vínculo previdenciário, que se forma com a aposentadoria, é patrimonial, passivo e contributivo, regido pelas normas do direito previdenciário e protegido pelos princípios da segurança jurídica, da legalidade e do direito adquirido.
Nesse contexto, a prática de um ato de corrupção, por mais grave que seja, e ainda que praticado durante o exercício funcional, não possui, por si só, o condão de extinguir o direito à aposentadoria regularmente adquirido. A condenação penal com imposição da perda do cargo público — efeito secundário previsto no art. 92, I, do Código Penal — atinge o vínculo estatutário, ou seja, a possibilidade de o agente permanecer no exercício do cargo, mas não repercute automaticamente, e muto menos sem trânsito em julgado com efeito civil específico, sobre os proventos de aposentadoria, que são frutos de uma relação jurídica previdenciária já constituída.
O Supremo Tribunal Federal tem afirmado que a perda da aposentadoria não se presume, e que a supressão de proventos de aposentadoria só pode ocorrer nos casos em que haja previsão legal expressa e decisão judicial transitada em julgado que imponha essa sanção de forma fundamentada. Ademais, a jurisprudência brasileira reconhece que a aposentadoria regularmente concedida não pode ser cassada como sanção administrativa ou penal, salvo quando demonstrada fraude específica na sua obtenção ou quando expressamente declarada nula por autoridade judicial competente.
Por essa razão, mesmo que um magistrado seja condenado por corrupção e tenha decretada, com trânsito em julgado, a perda do cargo, isso não implica, por si, a perda dos proventos de aposentadoria compulsória já concedidos. Tais proventos, uma vez reconhecidos como prestação previdenciária legítima, estão protegidos pelo ordenamento jurídico, e sua cassação exige processo próprio, contraditório, ampla defesa e base legal expressa.
Em suma, o ato de corrupção ou falsidade afeta o vínculo funcional e pode implicar a perda do cargo público, mas não extingue automaticamente o direito à aposentadoria, que nasce da relação previdenciária contributiva, baseada em tributo recolhido compulsoriamente ao longo dos anos. Essa distinção entre as duas esferas — funcional e previdenciária — é crucial para compreender por que um servidor pode ser penalmente responsabilizado, perder o cargo e ainda assim manter os proventos de aposentadoria, desde que tenham sido obtidos de forma legítima e sem vícios. A falsidade, no caso desse magistrado, não foi feita para obter a aposentadoria e, portanto, não foi uma fraude para aposentadoria.