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Alguém tem dúvida de que a residência é local inviolável, nos termos do artigo 5º, capítulo 11, da Constituição Federal? As exceções são as hipóteses previstas de prévia ordem judicial, flagrante delito ou desastre, e para se prestar socorro.
Tratemos, então, da prévia ordem judicial, que remete ao mandado de busca e apreensão, disciplinado no artigo 243 do Código Processual Penal. Esse dispositivo estabelece que se deve indicar “o mais precisamente possível a casa em que será realizada a diligência e o nome do respectivo proprietário ou morador”.
Os mandados de busca servem para adentrar residências em busca de armamentos ou mesmo na perseguição a criminosos foragidos, sem falar na busca de produtos de crimes. O que significa o mais precisamente possível quando estamos a cuidar de territórios inteiros dominados pelo crime organizado? O direito de propriedade sobre os imóveis situados nesses territórios fica bastante fragilizado. E a finalidade a que se destina um mandado de busca resultaria esvaziada, se houvesse uma visão restritiva dessa regra — o que enfraqueceria os direitos dos próprios ocupantes desses imóveis, que se veriam expostos à ação de quem domina aquele território.
Em áreas ocupadas pelo crime organizado, como ocorre nas favelas cariocas, em que os próprios moradores vivem sob o império do medo e do controle por parte dos delinquentes, não se pode estabelecer os mesmos parâmetros do mandado de busca destinado a uma área sob controle do Estado.
Analiso tal quadro pela perspectiva dos direitos dos próprios titulares da propriedade ou posse dos imóveis. A característica central do crime organizado no Rio é a territorialidade ocupada em detrimento do Estado. A autoridade territorial nessas comunidades não é o Estado, mas sim o detentor do poder paralelo. Vale dizer, esses personagens integrantes das organizações criminosas garantem os direitos dos moradores, incluindo o direito de propriedade. São eles que detêm o monopólio da violência, não o Estado. É exatamente na caracterização de uma grave desordem pública que se justifica a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, conforme está assegurado no decreto presidencial.
Por essa linha de raciocínio, mandados de busca coletivos seriam uma garantia de que os criminosos não conseguiriam invadir domicílios alheios para buscar abrigo contra legítimas ações do poder público.
Ao contrário do que muitos juristas afirmam, os mandados coletivos resguardam os direitos dos próprios moradores dessas comunidades, na medida em que lhes permitem o acesso das Forças Armadas às suas casas, e assim impedem que seus imóveis sejam ocupados pelas organizações criminosas.
Impressiona o discurso, encampado até mesmo por respeitados juristas, que presume que as autoridades policiais e Forças Armadas sejam o “lado mau” nesse embate que se travará em áreas ocupadas no Rio há muitos anos pelo crime organizado.
Pode-se discutir se a intervenção foi ou não oportuna, se foi ou não bem planejada, se poderá ou não funcionar, se teve ou não fins políticos. Porém, para que produza resultados minimamente satisfatórios, as Forças Armadas necessitam dispor dos meios adequados. A deterioração dos espaços públicos nas favelas ocorreu por abandono do Estado, por ineficiência endêmica, por corrupção.
Houve falhas estruturais na gestão da segurança pública, e lamentavelmente essa não é uma realidade apenas do Rio de Janeiro. Porém, em tal estado, a característica da ocupação territorial pelo crime organizado é peculiar. A (re) ocupação do território pelo Estado exige, sim, mandados de busca coletivos, circunscritos a determinadas áreas, com especificações que assegurem a lisura das operações, seus objetivos, suas finalidades, e as razões em que se alicerçam.
Fábio Medina Osório é jurista e foi ministro da Advocacia-Geral da União
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