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O princípio constitucional que rege a responsabilidade dos agentes públicos – inclusive dos advogados públicos, por seus pareceres ou consultas – é o republicano, que lhes informa a responsabilidade por ações e omissões desempenhadas no setor público. Não é à toa que o art.37, parágrafo 6º, da Carta Magna, estabelece que os agentes públicos são passíveis de responsabilidade por dolo ou culpa, por ações ou omissões, em ações de regresso, na área da responsabilidade civil. Atualmente, a LINDB, no seu art. 28, reforça a responsabilidade por dolo ou erro grosseiro dos agentes públicos, o que afeta a categoria dos advogados públicos.
O dispositivo constitucional do art.37, parágrafo 6º, previu uma responsabilidade mínima por atos dolosos e culposos de agentes públicos, em matéria de responsabilidade civil, afetando todas categorias de agentes públicos nacionais. Sendo assim, não é possível reduzir a responsabilidade civil para o espectro tão somente das condutas dolosas ou fraudulentas, como pretende o art. 184 do CPC relativamente aos advogados públicos. Aliás, o Estatuto da OAB fala em responsabilidade por dolo ou culpa do advogado, em razão de ilícitos praticados, não se admitindo, por força constitucional, redução ao espectro das atividades meramente dolosas.
De igual modo, a lei 8.429/92 prevê responsabilidade por dolo ou culpa, sendo que, nesse caso, entende-se que se trata de culpa grave ou erro grosseiro a modalidade enquadrada, valendo o mesmo entendimento para o campo da lei 12.846/13 (Medina Osório, Fábio. Teoria da Improbidade Administrativa, ed.RT, 5ª ed, 2020).
Evidentemente que a responsabilidade civil, administrativa ou penal pode ser aquilatada em conformidade com o princípio democrático. De acordo com esse princípio, há uma livre conformação legislativa dos ilícitos e das penas. A própria graduação da culpa, nesse contexto, insere-se na prerrogativa do legislador, consoante se trate de uma esfera ou outra, de uma classe especial de agentes públicos ou de ilícitos.
Assim sendo, em relação aos advogados públicos, em simetria aos magistrados e membros do Ministério Público, tem-se que a responsabilidade civil tem sido reconhecida tão somente nos casos de erro grosseiro (culpa grave) ou dolo. Da mesma forma, pode-se sustentar que essa premissa se aplica ao campo da responsabilidade administrativa no âmbito dos tribunais de contas e da improbidade administrativa (direito administrativo sancionador) ou da improbidade empresarial. Essa é a orientação do TCU e do STF na matéria (MS 24.631, rel. min. Joaquim Barbosa, j. 9-8-2007, P, DJ de 1º-2-2008].
A modulação da culpa prevista constitucionalmente é possível. Porém, lembre-se que para a esfera disciplinar essa calibragem inexiste, na medida em que se admite culpa ordinária para determinadas infrações leves. Ou seja, nem sempre o direito administrativo sancionador – do qual o direito disciplinar é espécie – exigirá a culpa grave para efeito de responsabilização de agentes públicos.
O advogado público não pode ser responsabilizado, todavia, quando interpretar com razoabilidade o ordenamento jurídico, dentro de suas margens valorativas, incidindo em liberdade de interpretação. “A diversidade de interpretações possíveis diante de um mesmo quadro fundamenta a garantia constitucional da inviolabilidade do advogado. A análise do conteúdo das manifestações dos advogados deve ser relativizada. Ainda que prevaleça no órgão de controle entendimento diverso, o advogado é livre para se manifestar com base em outras fontes e argumentos jurídicos” (STF, MS 35.196, rel. min. Luiz Fux, julgado em 12.11.19). Veja-se que o advogado público tem prerrogativa constitucional para interpretar o sistema jurídico com liberdade valorativa, nos mesmos moldes do magistrado e do membro do Ministério Público, eis que constitui função essencial à justiça.
Imperioso anotar, ainda, que a responsabilidade do advogado público deve inserir-se na estrutura do direito administrativo sancionador ou no devido processo legal restritivo de direitos individuais. Em qualquer hipótese, assegura-se a interdição à arbitrariedade dos Poderes Públicos, o respeito à dignidade humana, à razoabilidade, à proporcionalidade, ao nexo de causalidade, à responsabilidade subjetiva. Eventual divergência entre a visão do controlador e do advogado público não deve culminar, obrigatoriamente, na responsabilidade do advogado, sob pena de se criar o ilícito hermenêutico.
Em se tratando de matéria sancionatória, como nas ações de improbidade administrativa, tem-se a necessidade de analisar a tipicidade legal e o nexo causal adequado, bem como a culpabilidade do agente e as eventuais excludentes do tipo, da culpa e da ilicitude.
Os advogados públicos, tanto quanto outros agentes públicos, tem o chamado direito ao erro juridicamente tolerável. Esse erro, como se sabe, é estendido a várias classes profissionais. Juízes, membros do Ministério Público, médicos, entre outros, tem direito a margens de erro juridicamente toleráveis. Desconhecer essa premissa equivaleria a conduzir à paralisia dessas profissões, com graves retrocessos sociais e econômicos.
Advogado do escritório Medina Osório Advogados, ex ministro da AGU.
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