A punição da corrupção no mercado de capitais não se limita à aplicação de sanções legais. Seus efeitos são amplos, sistêmicos e duradouros: comprometem a confiança dos investidores, corroem o valor reputacional das companhias e afetam a previsibilidade dos mercados. Em um ambiente globalizado e interconectado, o simples anúncio de uma investigação externa pode deflagrar reações imediatas, com impactos significativos sobre o valuation das empresas, a atração de investimentos e a percepção de risco-país. Quando escândalos de corrupção vêm à tona, instala-se um “efeito contaminante sancionador transfronteiriço”, no qual sanções ou processos em determinada jurisdição desencadeiam efeitos similares em outras, refletindo a interdependência e a velocidade das dinâmicas globais no setor financeiro.
Diante desse cenário, o compliance, enquanto mecanismo de prevenção de ilícitos, deixou de ser mera exigência normativa para consolidar-se como ativo estratégico indispensável à sustentabilidade dos negócios. Um programa de integridade eficaz é aquele capaz de antecipar riscos, detectar potenciais irregularidades com precisão e permitir respostas céleres. Em uma economia digitalizada, poucas horas de inação podem agravar crises reputacionais de maneira exponencial. Ferramentas como inteligência artificial e análise preditiva viabilizam o monitoramento em tempo real e a automação de controles, elevando o compliance a um novo patamar de sofisticação e eficiência estratégica.
Nos Estados Unidos, a atuação firme do Departamento de Justiça (DO)) e da Securities and Exchange Commission (SEC) evidencia a crescente intolerância à improbidade empresarial. A aplicação extraterritorial de legislações como o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) tem sido rigorosa, com significativa parcela das investigações voltada a empresas estrangeiras. Em fevereiro, com o objetivo de revisar diretrizes anteriores e investigar eventuais excessos, o presidente Donald Trump emitiu ordem executiva suspendendo temporariamente os processos relacionados ao FCPA. A medida, contudo, não revogou a legislação nem afastou a possibilidade de novas ações manteve-se, assim, a discricionariedade do governo norte-americano para prosseguir com casos relevantes.
No Brasil, a Lei Anticorrupção (n° 12.846/2013), regulamentada pelo Decreto 11.129/2022, reforçou a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas — ainda objeto de debate acadêmico — e incentivou a implementação de programas efetivos de compliance. Um dos pilares da norma reside no reconhecimento, por parte da autoridade administrativa, da relevância de estruturas de integridade sólidas, que podem atenuar ou até afastar sanções.
Trata-se, mais do que de um benefício jurídico, de um estímulo à governança corporativa responsável. Companhias que não desenvolvem mecanismos preventivos robustos expõem-se a consequências que transcendem o campo jurídico. O impacto da corrupção e da improbidade manifesta-se na exclusão de portfólios institucionais, na retração de consumidores, no aumento do custo de capital e na deterioração da imagem corporativa. Em tempos de valorização crescente dos critérios ESG (Environmental, Social and Governance), grandes fundos e gestoras tendem a evitar alocações em empresas envolvidas em escândalos. Assim, a ética organizacional e a transparência tornam-se elementos centrais de competitividade.
Entre os principais desafios contemporâneos, destaca-se a condução qualificada de investigações internas, bem como a prevenção contínua de riscos. Tais práticas exigem domínio técnico, estrutura especializada e protocolos bem definidos. Propõe-se, nesse contexto, o conceito de “subsidiariedade investigativa privada”, segundo o qual as apurações internas devem operar como instrumentos idôneos, articulados a modelos de autorregulação corporativa eficazes. Empresas que se antecipam a irregularidades e promovem a correção tempestiva de condutas tendem a mitigar danos institucionais e viabilizar soluções negociadas.
A ausência de uma estrutura sólida de compliance pode precipitar crises graves. Investigações internas conduzidas de maneira improvisada expõem as organizações a riscos jurídicos e reputacionais ampliados. Essa fragilidade, que denomino “responsabilidade difusa pelo déficit de prevenção”, evidencia a urgência de estratégias consistentes, canais de denúncia seguros, auditoria profissional e uma cultura organizacional firmemente comprometida com a integridade.
Nesse panorama, defendo o conceito de “compliance transformativo” – uma nova geração de governança corporativa que supera a lógica meramente reativa do cumprimento normativo. Trata-se de adotar uma postura proativa, pautada na antecipação regulatória, com a ética elevada à condição de vetor estratégico da atividade empresarial. A certificação ISO 37001, a legislação brasileira de prevenção à lavagem de dinheiro e as diretrizes do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) impõem padrões rigorosos que exigem maturidade institucional e adesão genuína a boas práticas.
Em síntese, a corrupção e a improbidade no mercado de capitais não representam apenas violações jurídicas, mas ameaças concretas à estabilidade e à credibilidade dos sistemas econômicos. Em mercados que operam fundamentalmente com base na confiança, como o financeiro, a integridade não é apenas uma virtude — é uma condição de existência.
Organizações que internalizam essa lógica estarão melhor preparadas para enfrentar choques reputacionais, atrair investimentos qualificados e consolidar sua presença em ambientes regulatórios sofisticados e globalizados. Nesse horizonte, a ética deixa de ser retórica e passa a integrar o núcleo das decisões corporativas.
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