Vanessa Cerqueira Reis de Carvalho, ao Portal Migalhas: “A boa governança do tribunal de contas”

O termo ‘governança’ remonta à Idade Média, mas seu uso no contexto atual foi utilizado pelo Banco Mundial em 1994, onde cita em 1989 sobre o desenvolvimento da África Subsaariana como um dos primeiros usuários do conceito de governança na seguinte definição: “(.) A forma como o poder é exercido na gestão dos recursos econômicos e sociais de um país para o desenvolvimento”¹. A Comissão das Comunidades Europeias, em Comunicação de 2003, afirma que “Governança” significa “a capacidade do Estado de servir os cidadãos” e tem essa definição como suficiente para explicar a governança de outros elementos como os direitos humanos, a democracia ou a corrupção.” A governança diz respeito às regras, processos e comportamentos segundo os quais são articulados os interesses, geridos os recursos e exercido o poder na sociedade”².

E é dentro desse conceito histórico e internacional que o Brasil vem aderindo importantes instrumentos junto à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em temas como de governança, com destaque para a Recomendação sobre Governança Orçamentária, que aderiu em 3/3/2020 e a Recomendação sobre aprimoramento da Governança Regulatória, em 14/5/2020³.

Nessa pandemia, o TCU vem desempenhando um papel importante em ações como: a) o acompanhamento dos programas sociais – a exemplo do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEm)- , que é um auxílio financeiro concedido a empregados que tiveram o vínculo trabalhista suspenso ou a carga horária e salário reduzidos devido a pandemia; b) análise de dispositivos contratuais, a exemplo da consulta formulada pelo Ministério da Saúde quanto a possibilidade de que o Estado brasileiro aceite cláusula limitadora de responsabilidade contratual das empresas fornecedoras de vacinas, de modo que a obrigação pelo pagamento  de eventual dano seja assumido, total ou parcialmente, pelo poder público, foi permitida pelo TCU, frente aos desafios excepcionais da pandemia.

Importante processo aberto no TCU, sob a relatoria do Ministro Bruno Dantas, é o processo 016.873/2020-3, que trata do “acompanhamento de alterações orçamentárias e impactos fiscais decorrentes das medidas de enfrentamento à crise da covid-19”. Nesse processo, já foram proferidos sete relatórios de acompanhamentos. Esse acompanhamento tem o propósito de: a) analisar os reflexos das mudanças nas regras orçamentárias e fiscais sobre a gestão dos recursos públicos no contexto da calamidade pública decorrente da pandemia; b) apoiar as unidades técnicas em seus respectivos acompanhamentos, com padronização e levantamento de informações orçamentárias e sobre subsídios fiscais; c) elaborar quadro consolidado do impacto orçamentário e fiscal do conjunto de medidas adotadas pelo governo federal; e d) evidenciar de que forma a trajetória da dívida pública será impactada, assim como o espaço fiscal disponível para realização de despesas nos próximos anos.

Outro importante marco nesse caminho foi o que resultou na nova lei de Licitações e Contratos Administrativos recentemente promulgada (lei 14.133/21), onde Humberto Mota e Vanessa Reis assim enfatizam:

“[…] avanços institucionais adequados para lidar com o conceito mais atual de governança pública que oferece uma nova abordagem do governo, entendido como um processo amplo, plural e complexo da sociedade, que envolve a integração da política e da administração, da gestão e das políticas públicas, no campo específico das compras públicas, imprescindível para o desenvolvimento internacional, principalmente em tempos atuais.”4

Na administração pública tradicional era compreensível que o controle a ser exercido, mormente pelos tribunais de contas, centrasse na estrita legalidade e regularidade das finanças.  Porém, em virtude do maior número de demandas para atender necessidades sociais da população, justifica-se que o centro gravitacional da atividade de controle financeiro externo saia da estrita legalidade para a avaliação de resultados.5

Esse é o novo conceito de accountability que na Antiga Grécia consistia em um simples processo de prestação de contas (euthyna), em geral, no fim de um mandato. Hoje em dia, temos um sentido mais amplo da accountability, o qual segundo Kelvin Kearns e Bernard Rosen, adotam além da responsability e answerability a responsiveness, com a absorção de valores democráticos e éticos6 devendo, segundo M. Dubnick e B. Romzeck, a administração pública corresponder às expectativas legítimas das populações7. em prol da boa governança.

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1. CAMPBELL, Nell ; TAVERDI; Yashar; SAHA,,Shrabani, Governance, democracy and development, Economic Analysis and Policy, Volume 63, 2019, Pages 220-233, ISSN 0313-5926. Disponível aqui. acesso em 26.03.2021

2. Disponível aqui. Acesso:em:26/3/21.

3. Disponível aqui. Acesso em 26/3/21

4. CARVALHO REIS, Vanessa Cerqueira e MOTA, HUMBERTO Disponível aqui. Acesso em 27.03.2021

5. COSTA. Paulo Nogueira. O Tribunal de Contas e a Boa Governança.Petrony: Lisboa, 2017. p.151.

6. Ob.cit.p.237.

7. Ob. cit.p. 238. Para o melhor aprofundamento sobre o tema, o autor Paulo Nogueira da Costa traz um estudo aprofundado sobre o caráter complexo da accountability, com diversos estudos entre os que se destacam Robert Behn sobre a “accountability democrática”,  “accountability pela lisura” “accountability pelos resultados, “accountability pelo uso (ou abuso) do poder, além de várias outras designações de cunho valorativo muito mais densa que a simples prestação de contas.

Atualizado em: 18/5/2021 08:06

Vanessa Cerqueira Reis de Carvalho

Vanessa Cerqueira Reis de Carvalho

Sócia do escritório Medina Osório Advogados. Doutoranda em Direito Financeiro e Econômico Global pela Universidade de Lisboa. Procuradora do Estado do Rio de Janeiro.

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